A Janela do Sobrado
(Autor: Amália Grimaldi - 2014)
É madrugada ainda. Vejo
o Sol conduzir ao seu lugar destinado a noite que se retira lenta. Segue
levando consigo meus suspiros e a lembrança de uma noite mal dormida. Ainda vejo
estrelas a refletir o brilho do mistério deste breve instante. Contemplo a
aurora. Me visto de sonhos.
Vê você por acaso,
aquelas árvores distantes? Não seriam aqueles ciprestes lendários? Ah, já sei – lá está a curva da estrada para
Damasco!
A
janela do sobrado abria as portas do mundo. Entrava e saía sem cerimônia. Até
que um dia, na viagem de retorno, me perdi. Os ciprestes desapareceram da
paisagem. Havia apenas o eucalipto dominante – supridor da fábrica de papel. E
assim, não mais encontraria meu rumo.
Não é que a minha
estrada para Damasco desaparecera! Por um instante parei de sonhar. Mas, o
desejo de viajar pelo Oriente seria mais forte. Outras janelas se abririam no
tempo. Pois, sobrevive-se no sonho. O ser aí se reinventa.
Vê você por acaso
vultos de almas da noite em tais muros cuspidos e urinados, caiados de
fingimento branco?
Vê, são cacos de vidro
ameaçadores, encimam previsões de acontecimentos nefastos na guarda do grande
vazio – negligência de um terreno baldio. Patrimônio cobiçado, que ora acolhe
os sujos da esquina.
A vagar pela noite escura vejo assombração de
outros. Seria a alma penada do agiota ameaçador em busca de dinheiros perdidos?
A janela do sobrado há
muito se fechara. Na sala, antes habitada por insinuantes réstias de luz, encontraria apenas sombras do
que fora antes. E as minhas tranças, via-as jogadas ao chão, ao lado da cega
tesoura – o tempo inexorável. E eu, desconsolada, à curva da estrada, perdia-me
no sonho, em busca do rascunho que se apagara– o leve poema da menina do
sobrado grande.
Mas,
qual tempo poderia ser melhor? Inverno ou Verão? Já vejo o pássaro azul, é fiel
à estação. Temente ao vento súbito constrói seu ninho em lugar seguro. Observo
que carrega o que parece ser o último naco do dia. Amanhã voltará. Ou quem
sabe, não mais. E é assim então que nutrimos a nossa vontade imediata. Amanhã outros pássaros virão.
(foto autor)