quarta-feira, 5 de maio de 2021

 


Mar aberto a taça

Perturba-me esse atual sentido de ausências. Na calçada calada,  vazia de passos. Negações desse presente parecem ai dormir. A ida ao mercado, ao trabalho, e a igreja. Conluio negado. Aqui  dormem alegrias, de muitas vozes de antes. Alarido contente de crianças que seguiriam rumo a escola. Sinto ausências. Calçadas estão desertas. No óbvio silêncio vagam apenas gatos. Gatos despreocupados. Mansos, sonsos e macios.

 Vulto sutil,  visagem branca, essa alma do medo, discreta criatura,  silenciosa vai se chegando. Indesejada, malcheirosa, sufocante. Nem foi convidada! De nada adiantou fechar as janelas. Nem a porta da frente, tao pouco a porta do fundo. Inútil. Já dominando todo o ar, tomou conta do meu sofá. Esfregou na minha pele, e ate no meu cabelo, e o que não poderia remover o emoliente: a duvida. Distancia social, o contato humano. E agora, sufocada me encontro, a suportar uma carga de angustia indesejada. Coberta dos pés à cabeça me vejo então, vestida do-que-sera amanha. Sim, quando todas as portas desse mundo estiverem fechadas.

Busco reaver caras imagens de ontem.  Estou a correr atrás da minha propria sombra. Viajo nessas linhas ao melhor destino. Contorno pretenso real. Especulo o visível. Ouço cores palpáveis. Capturo o imediato sensível, momento que foge ao banal. E, Por mais absurdo que possa ser, o que se sente  não vai durar. Vê?  Amanheceu. Parece-me que borboletas azuis perderam o rumo certo.  Contudo, nem todas as flores despertaram. Parecem ainda dormir. E nesse alvorecer conturbado, vejo distanciar-se o barco da nostalgia. Já alcança a membrana de um mar aberto à taça, incerta sobremesa. Um faz de conta. Pois, não sabemos se é o fim ou o princípio.  Pois, minha satisfação ja veste cor de pudim-de-laranja.

Amalia Grimaldi “Cronicas do meu tempo”. Melbourne, Julho, 2020.

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