sexta-feira, 25 de março de 2011

A última página

A última página

A penumbra, cultivada. Eram as janelas veladas pelos ocres cetins da conveniência. Eis que fechara a porta ao insurgente. Também já não esperava que alguém aí batesse. Assim também deixaria lá fora o sol. Somente ao alcance de nuvens distantes. E, ao rugir do tempo presente também deixaria do lado de fora o vento passante.
Jardins bem cuidados, contornos suaves, sombras e luzes ajustadas. Colorido adequado,
de alegoria feliz. Nuvens brancas, inalcançáveis. Presenteava-lhe a grata figuração de um calendário de parede - cenário de última página.
Abriu a janela num ímpeto, sentira vontade de voar, ir de encontro à grata ilusão do inalcançável. Afinal de contas, o que somos nós humanos, senão um perseguidor de imagens ilusórias de felicidade que pintamos no nosso imaginário dia a dia?
Desprovido de asas, cuidou dos maiores detalhes. Cuidou também dos menores detalhes. Roupa nova. Mala nova. E, alimentando o seu engano de percepção, sobre uma pretensa integridade física, a mascarar o fardo do medo latente permanente, fez seguro de vida. Assim acreditava estar seguro na viagem.
Dobrados e acomodado, seguiriam com ele, medos e ansiedades. E, para conter o amarelado dos anos, a escova de dente, esta gasta companheira também não seria esquecida. Prezava o que restava-lhe, a subsistir-lhe a idéia de corpo físico são, o que entretanto com o passar da idade via deteriorar-se inexoravelmente.
Cores desconhecidas acenavam-lhe ao fim da rua caminhada - Prédios futuristas e jardins hidropônicos. Desconhecido era o contorno daquela cidade. Parecia-lhe áspero sob o sol daquela manhã despertada. Seguia a vagar por ruas enormes, avenidas extensas. Como sentia falta de brancos sorrisos! Aliás, perdera o seu já fazia muito tempo, afogado que fora, em copos d’água noturnais. Passou a sentir-se desbotadamente perdido naquelas cores de ilusão alheia. Assim, rumou ao encontro da página inicial.
Mais um ano se passara - perdera mais um dente, um a menos a poupar-lhe vida útil à escova já gasta. “Que mundo é esse...?” Melhor que fique lá fora. E, no conforto macio da sua resignação, vislumbra os contornos conhecidos da cidade do ano que passara. Olhos cerrados, no interior da sua irreversível paz construída, a vestir-lhe somente a penumbra da esperança ausente - perde-se o suspiro volátil.
- O prego, na parede se via nu. O calendário, sem cores, ao chão jazia frio.
- Inútil de precisares...

Amália Grimaldi

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