sexta-feira, 12 de julho de 2019



Crônica anunciada
Amalia Grimaldi
Por muitos anos guardei livros e revistas. Cartas, vidros de perfume, conchas e pedras. Resquícios de sentidos essenciais, cuja cognição, não queria perder no tempo. Traçando linhas de sobrevivência através de elos emocionais entre a distante “Terra Australis”que um dia me acolheu como legítima cidadã e a emocional “Terra Brasilis”em cujo útero fui gerada.
No então tranquilo Taquary, enseada do paradisíaco vilarejo de pescadores, o cobiçado Guaibim, na azul costa sul da Bahia, vivia um tanto recolhida no interior da minha concha, e confesso que me perdi um pouco na história do tempo presente. À sombra de coqueiros que plantei nesse meu pedaço à beira do mar, eis que de repente passaram-se doze anos. E assim, entre devaneios marinhos e fantasias sedutoras, não percebi os sinais e de que a hora de voltar estaria chegando. Pois é, meus amigos leitores, estou de volta à minha segunda pátria – Austrália! De repente, o que guardado foi, vínculo de um passado estimado, começou a se desbotar, e foi perdendo a importância pragmática ante a urgência do momento rumo a um tempo de acontecimentos inexoráveis, que então chegou: “Vende-se esta casa, o carro e o cachorro...”
Limoeiros em flor... Antúrios vermelhos... As plantas no pátio... Ah, e as vacas desbotadas! quanto a vista do mar, o cachorro então, ficou nessa paisagem, apenas parte de uma agonia transicional. Oliver ora descansa sob o pé da acácia e que desde então botou flores como nunca antes. Já Argus, também um Pastor Belga (meu segundo cão), ficou sob os cuidados do belo Ivan, o rapaz garboso no seu cavalo branco a trotar manso pelas areias do Guaibim.
Despojamento doloroso. Desço ao vazio niilístico do meu ser. O futuro foi chegando, já mergulhava nas águas turvas e profundas dos medos e da ansiedade. Enfim, ancoragem justificadora: juntar-me-ia ao pedaço distante da minha família - filha, genro e netas. E aqui estou. Família crescendo, logo chegou meu terceiro neto.
A viagem, e o bom-destino. Sinal de ordenamento. Libélulas em suas asas transparentes predizem insurgências. Mimetizando desejos escondidos chegou o tempo dos ventos, e com este inesperados pensamentos. Impulsos utópicos: já via passar o branco alazão e seu cavaleiro romano levando a galope a jovem bailarina em seu tutu rosado. Chegou o tempo da partida. Mudança de rumos, transcendência de conflitos. De repente, as pedras do caminho se desnudaram de seus limos.
Silêncios quebrados são vozes na região da noite. Confiscam a autonomia de meus pensamentos. Fixar, ou definir? O tempo é imutável. A casa e a varanda, o mar e os coqueiros, e nessa paisagem ainda vive o negro cão num universo compartilhado. E, no verde musgo que aí vingou forte, samambaias ao aceno simbolizam essa passagem temporal. Morrem as sombras desas tardes distantes, mas a parede da casa com varandas, morna ainda vive em mim.

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