terça-feira, 29 de março de 2011

Cheiro de sutileza

Um desejo no ar
abro portas de satisfação
estou onde não estive
cheiro de lugar feliz
esfuziante
liberta-me do escrutínio moral
adentro quintal alheio
Oh cheiro de manga!

Amália Grimaldi

sexta-feira, 25 de março de 2011

A certeza do fim


A certeza do fim
Lá fora o Sol maior
Toca-lhe o caminho de casa
Seu horizonte
Era a linha do ombro
Do outro à frente
Posso ossos vossos?
O passo arriscado
Acabado. Sorri-lhe
A certeza do fim
Sob o peso dos passos
de quem ainda o segue
à sombra do Sol maior
Cava a sua própria cova
Em ossos de magras dúvidas
A certeza do fim
Lhe sorri.

A Ilusão do Ser

A ilusão do ser
Investimos na nossa aparência. Na nossa maneira de falar. Na imagem que gostaríamos de passar. Passamos ao largo da realidade. Somos todos uns pessimistas sorridentes. Esta é que é a verdade. Diante da concepção trágica do mundo não é que todos nós sorrimos?! Em segundas intenções, é claro. É o comportamento chamado social. O céu e o inferno da nossa existência - Rir e chorar. Precisamos da mentira para triunfar sobre a crueldade do mundo. Assim citou o filósofo Nietzsch. Concordo com ele.
O sorriso da mentira. Falso. Por isso, a verdade na crueldade do mundo é encoberta sob o véu da beleza. Uma necessidade de consolo para todos nós humanos. Falo isto olhando para os olhos gentis do meu cachorro, não tão gentil assim, ao morder as mãos do dono. Parece um cordeiro, mas não é. Na verdade, é um lobo em forma de cordeiro. Como as aparências enganam, ein?!
Na arte do sentimento tranqüilizador, na frágil trama da ilusão diante dos fios da mentira frente a um tear de um mundo impiedoso, está a falsidade.
Não. Não estou em depressão. É tarde de domingo...Apenas analisando a realidade, nua e crua. A mentira da boa aparência é a tragédia do homem ao criar um mundo de ilusões onde o abismo é o próprio chão onde se pisa. No cultivo da beleza ameniza-se a crueldade, sem contudo eliminá-la. Atenua-se o medo inerente e constante.Mas, o terror e o absurdo estarão sempre presentes. E agente então se benze. Transpõe a soleira da porta da morada rumo ao mundo lá fora. Na estética do medo está o temor da crueldade e por isso sorrimos. Eticamente falando. Admitir a realidade seria ser pessimista. Então, o ser sorri. Maravilha-se ante o inexplicável incompreendido ao mesmo tempo em que busca uma compreensão a esse incompreendido. É o despertar do ser tirando o homem do repouso da acomodação - nem admira nem se maravilha diante do que vê. É o despertar o ser. Escrevemos o que pensamos. Diremos a poesia do momento. No significado elementar da linguagem humana para a compreensão do indivíduo, ao fazer as nossas experiências explicáveis aos outros, se não a nós mesmos, dá-se a ilusão. É o caso de se vestir a pobreza do pacote em vistoso papel de seda.Na realidade, o homem não tem acesso às coisas do mundo tais quais elas realmente são.Dificuldade que é superada pela linguagem.Embora nomes, sejam encodificações de situações e coisas que nos cercam. Por isso me refugio na poesia. E não são as coisas que determinam a consciência do ser e sim a nossa postura diante dela. A atitude do vendedor perante o comprador iludido sob o pacote do engano.
A linguagem é importante mas não é o espelhamento do mundo real, mas antes, a vocalização em forma de metáforas. Quando esta é esquecida levamos à ilusão da verdade, à essência das coisas. Tanto no sorriso como na modulação das palavras, teremos a ilusão de que no abismo lá embaixo não cairemos, principalmente se outros prestarem atenção ao nosso comportamento, que seria nivelado como normal. É a tal política da boa vizinhança. Aceitar a situação incômoda. Uns se parecendo com os outros. É a estética da moral. É que vivemos o céu e o inferno da nossa existência. Por isso, a crueldade do mundo é a verdade. E a falsidade do sorriso do ser, uma mentira. Amália Grimaldi

A última página

A última página

A penumbra, cultivada. Eram as janelas veladas pelos ocres cetins da conveniência. Eis que fechara a porta ao insurgente. Também já não esperava que alguém aí batesse. Assim também deixaria lá fora o sol. Somente ao alcance de nuvens distantes. E, ao rugir do tempo presente também deixaria do lado de fora o vento passante.
Jardins bem cuidados, contornos suaves, sombras e luzes ajustadas. Colorido adequado,
de alegoria feliz. Nuvens brancas, inalcançáveis. Presenteava-lhe a grata figuração de um calendário de parede - cenário de última página.
Abriu a janela num ímpeto, sentira vontade de voar, ir de encontro à grata ilusão do inalcançável. Afinal de contas, o que somos nós humanos, senão um perseguidor de imagens ilusórias de felicidade que pintamos no nosso imaginário dia a dia?
Desprovido de asas, cuidou dos maiores detalhes. Cuidou também dos menores detalhes. Roupa nova. Mala nova. E, alimentando o seu engano de percepção, sobre uma pretensa integridade física, a mascarar o fardo do medo latente permanente, fez seguro de vida. Assim acreditava estar seguro na viagem.
Dobrados e acomodado, seguiriam com ele, medos e ansiedades. E, para conter o amarelado dos anos, a escova de dente, esta gasta companheira também não seria esquecida. Prezava o que restava-lhe, a subsistir-lhe a idéia de corpo físico são, o que entretanto com o passar da idade via deteriorar-se inexoravelmente.
Cores desconhecidas acenavam-lhe ao fim da rua caminhada - Prédios futuristas e jardins hidropônicos. Desconhecido era o contorno daquela cidade. Parecia-lhe áspero sob o sol daquela manhã despertada. Seguia a vagar por ruas enormes, avenidas extensas. Como sentia falta de brancos sorrisos! Aliás, perdera o seu já fazia muito tempo, afogado que fora, em copos d’água noturnais. Passou a sentir-se desbotadamente perdido naquelas cores de ilusão alheia. Assim, rumou ao encontro da página inicial.
Mais um ano se passara - perdera mais um dente, um a menos a poupar-lhe vida útil à escova já gasta. “Que mundo é esse...?” Melhor que fique lá fora. E, no conforto macio da sua resignação, vislumbra os contornos conhecidos da cidade do ano que passara. Olhos cerrados, no interior da sua irreversível paz construída, a vestir-lhe somente a penumbra da esperança ausente - perde-se o suspiro volátil.
- O prego, na parede se via nu. O calendário, sem cores, ao chão jazia frio.
- Inútil de precisares...

Amália Grimaldi

terça-feira, 1 de março de 2011

Voltei à casa...

Hoje,
voltei à casa da rua do cais do porto.
A porta estava aberta
passantes curiosos espiavam
nem me importei
um cheiro do mofo abstrato
lambeu o meu rosto
ventos atávicos
o longo corredor...
passadiço coerente
de tramas e dramas familiares
ecos de um tempo
aí ressoam insistentes
Hoje
a casa está à venda
a vista é do rio e dos saveiros
no quintal
a mangueira foi cortada
implicância de vizinho
cala-se a voz centenária
a casa desocupada
a árvore tombada
são apenas resquícios agonizantes
breve espaço necessário
intermediando inexorável
acontecimento posterior
fecho a porta devolvida
que por momentos se abriu
ao tempo que já passou
respirarei os ares frescos
da manhã que por certo virá
rumo ao cais do porto seguirei
contente e segura
confiante embarcarei
naquele saveiro amarelo
confiante ao rumo do cais do futuro.
Amália Grimaldi