A Filha do Padeiro Galego
Quando nasci, pensando em mim, meu pai,no duro solo do pátio murado, meu pai,
plantou uma árvore.
Pensando em mim, talvez, mas fugindo de si.
Pensando em mim, meu pai, libertou o cego pássaro da gaiola. E este, no rastro do cômodo cativeiro resignado, às sombras da tarde, logo regressaria.
Acredito também, desejasse meu pai, escrever algo. Talvez a justificar o direito de viver, a medir caminhos de águas, a fugir de si mesmo; no seu modo de fazer e no que faria. Pareceria ser igual. Mas não era. A linguagem muda é depurada. Tem conteúdo.
Pensando em mim, no que fora antes, meu pai, a marchar obediente, por estreitos caminhos de angústia, imaginou-me, num pedestal de estátua.
Ao vento súbito, a solidão enxotada. Imigrante galego, despertaria no assobio do seu trovadoresco silêncio. Silêncio este, onde palavras, dançariam no discurso do pensamento primitivo. Sem o adequado articular verbal, contudo, num silêncio de denúncia aos seus vinte e poucos anos, de palavras perdidas, no mar da angústia, quando à bordo do grande vapor Alcântara, com outros, atravessou o Atlântico. Aportou na Bahia de Todos os Santos. Áspero chão. Limbo do ser. Pátio de noites insones.
O terreno da sua antiga canção, devastado, ora baldio, de versos necessários, se convertera no mito distante; a terra galega, útero fértil. Os vinhais, distantes, morridos no tempo. Os canastros, vazios, de argumentos necessários, se quedaram inúteis.
Pássaro cativo, alma da sua poesia, ao cair da tarde, logo regressaria. Restou-lhe lembranças, frias estrelas em orvalho de serenos distantes, desejados jasmins da infância que nunca vingariam.
No argumento daqueles seus dias, tarefa pesada, mantinha a mão na massa do pão. Argamassa de todos os meus dias, alimento dessa narrativa. Eu, sou a filha, desse padeiro galego!
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