sexta-feira, 4 de julho de 2014
PERCA TEMPO - O BLOG DO MURILO: Bola na trave - FERNANDO GABEIRA
PERCA TEMPO - O BLOG DO MURILO: Bola na trave - FERNANDO GABEIRA: O ESTADO DE S.PAULO - 04/07 A Copa do Mundo vai bem, dentro e fora dos estádios. Algumas previsões pessimistas, as minhas incluídas, baseada...
sábado, 28 de junho de 2014
A raça e a pitanga...
A raça e a pitanga
O mogno e o vidro
E
a coroa de Ciro.
E,
do vil contemporâneo,
Essa
grande colina erodida:
A
descrença do homem.
E,
do caído, a fadiga;
O
não Ser. O espaço vazio.
Da
acácia, as cinzas,
O
pó, levará o vento.
Mas,
a luz, é quem definirá
A
sombra e, o contorno do volume.
A
prisão do tempo não tem saída;
Tem
calendários. Rosas de ventos...
Caros
instantes. Raros caminhos claros.
Uma despensa escura
E suas prateleiras incertas;
Seus dias. Meus dias. Cansados
dias.
Quem ditaria regras?
Não. Não mais haveria discussão,
Entre o tempo e o fermento,
E o sucesso da massa crescida.
Valor de esperas atrasadas
E, o juízo moral. Razão na
emoção...
Sublimação temperada.
Insatisfação consagrada.
O cálice, a mulher
E o touro.
Da palavra inútil,
Melhor o silêncio, ou
Um resquício de vergonha.
A dosar engano na guia,
Mão exagerada
Ou, bastar-se a si próprio?
Do azedado vinho,
Tardia aquiescência;
Concepção. Percepção.
Princípio aglutinador.
Salada
mista de padeiro galego.
A
torre e o fidalgo
E
o quarto aposento.
Degredo.
Segredo.
Pisos
magnânimos,
Ídolos
esculpidos...
Pouca
água. Fala à toa.
O
óleo secou de vez,
E,
a lamparina,
Há
muito se apagou.
Ser o crente perfeito.
O sentido da Terra faz
Usos e cultos...
O mestre e o aprendiz.
Iniciante discípulo
Almejar melhor destino.
Homens suados carregam seus fardos.
Estão surdos.
Não escutam canções de outros.
E suas línguas, tão espinhosas,
São que nem urtigas.
Queimam a pele da própria agonia:
...Não... Marrano não sou eu...
O
velho muro
E
a verde gosma.
Do
tempo, seus musgos,
Nem
sempre aclamados.
Do
barro a alma,
A
fama não salva.
O
Éter. O Planeta,
Obra
por concluir.
Assisto
o retorno do caracol.
Axioma
inicial.
Abóbora
gigante.
Razão
do conflito.
A
corte no banquete,
Meu
mundo.
Amplitude
de esfomeados fartos.
No
almoço do cristão galego,
Cordeiro
não seria imolado,
Mas
aquela sua faca, era bem amolada,
e
o peru, então, seria assim degolado.
Europa,
Ásia e África...
Povos
do Oriente,
Ciganos
passantes. Judeus mascates.
Seda
persa de outrora.
Ah,
e os vizinhos libaneses,
Lhes
chamavam de turcos...
A
Casa da Torre,
Visão
fugidia. Passadiço de agonias.
Rostos
de papel sorriem para mim.
Retorno ao altar comum.
Brancas
são as bênçãos de Oxalá.
As
douradas são de Oxum.
Aos
fieis de São Lázaro,
Pipocas
alvas lhes são ofertadas
(ainda
aguardo o meu quinhão...!).
Mas,
aos domingos,
A
cumprir alheia devoção
Moeda
na mão. Coração aberto.
No
aspergir de águas bentas:
Alegria
de padre galego.
...Branco
cavalo de Espanha...
Seu
arreio é de prata.
Meu
tamanco é de pau.
É
de meia pataca.
Senhor
do Bomfim é meu pai.
Estrela
guia me acompanha.
–
Oxalá é o maior!
Regresso
à casa do tempo.
Abro
janelas de satisfação.
Estou
onde sempre estive.
Ancorado
ao mar de dunas alvas,
Logo
adiante, seu glorioso contorno:
A
Casa do Navio!
Para
sempre afundado
Na
sina do vertical moderno.
–
Resiste na minha lembrança.
Cospe
o mar ao vento o sal.
A
vidraça embaçada.
Amaralina...
Estropiada,
E
minha alma, enganada.
Volto
à casa desse tempo,
De
largas varandas...
Oh,
tardes salgadas...!
Suadas
de nostalgias.
Cio
de mulher...
Um
cheiro bom de sargaço
Invade
meu ar. Me faz plena.
Desses
meus dias,
O
vento e a canção do mar,
E
a fala desse seu canto longe,
Prazer
de águas... Lágrimas de sal.
Ladainha
desassossegada.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
A mala na praia
Fotografia: Amália Grimaldi |
A mala na praia
(Crônicas do dia a dia - Amália Grimaldi)
Final de
tarde chuvosa. A mala do náufrago ali à minha frente me fez lamentar uma possível
viagem interrompida. Destino fatal?
Ausente
de fortunas, contudo, preenchida por residual sentimento, jazia ali à minha
frente, na areia da praia, inchada e molhada, a mala do náufrago incógnito. Num
relance, imaginei uma possível identidade ou, um perfil adequado para a
desconhecida criatura que seria o dono daquela mala que veio dar na praia do
Guaibim após forte ressaca.
Um quê de
essencial, quiçá da vida humana, à qual pertencera,
via-se no seu interior algumas peças de
roupa já corroídas pelo efeito do salitre. Com certeza teriam sido aqueles
pertences parte emotiva do seu dono, assim, como todas as coisas que nos pertencem
e nos cercam no âmbito doméstico. Imaginei suas mãos em cuidadosos movimentos
pensados a dobrar aquelas vestes, ajeitando-as do seu modo a fim de caber no
limitado espaço da maleta, justificando
assim quem sabe, toda a energia do
elemento pensante aí contido. Energia essa, que por ser imaterial, é infinita. Uma
etérea consciência do ser, digamos assim.
Então, dei asas à minha imaginação; náufrago de si mesmo, cansado da vida metódica que levava, resolvera aquele homem, desfazer-se de dolorosa escravidão, daquelas ataduras apertadas dos hábitos de rotina que conhecemos muito bem. Ainda em tempo livrou-se aquele homem da indumentária sombria em naufrágio tão oportuno. Estaria vivo ou morto de arrependimentos. Quem sabe?
Talvez
vestisse ele agora cores mais vibrantes. Nuances tão necessárias fazendo a alegria de um bom viver...
Em liberdade...
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Guaibim-Bahia Brasil- "Gate to heaven" photo by Ernst Frank 2014 |
Paisagem |
Passavam pelo ar aves repentinas,
O cheiro da terra era fundo e amargo,
E ao longe as cavalgadas do mar largo
Sacudiam na areia as suas crinas.
Era o céu azul, o campo verde, a terra escura,
Era a carne das árvores elástica e dura,
Eram as gotas de sangue da resina
E as folhas em que a luz se descombina.
Eram os caminhos num ir lento,
Eram as mãos profundas do vento
Era o livre e luminoso chamamento
Da asa dos espaços fugitiva.
Eram os pinheirais onde o céu poisa,
Era o peso e era a cor de cada coisa,
A sua quietude, secretamente viva,
E a sua exalação afirmativa.
Era a verdade e a força do mar largo,
Cuja voz, quando se quebra, sobe,
Era o regresso sem fim e a claridade
Das praias onde a direito o vento corre.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I
Caminho
|
Frank in the garden - Guaibim Bahia Brasil 2014 |
Os pássaros |
Ouve que estranhos pássaros de noite
Tenho defronte da janela:
Pássaros de gritos sobreagudos e selvagens
O peito cor de aurora, o bico roxo,
Falam-se de noite, trazem Dos abismos da noite lenta e quieta
Palavras estridentes e cruéis.
Cravam no luar as suas garras
E a respiração do terror desce
Das suas asas pesadas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Antologia
Círculo de Poesia
Moraes Editores
1975
|
Guaibim-Bahia-Brasil 2014 |
O Jardim e a casa |
Não se perdeu nenhuma coisa em mim.
Continuam as noites e os poentes
Que escorreram na casa e no jardim,
Continuam as vozes diferentes
Que intactas no meu ser estão suspensas.
Trago o terror e trago a claridade,
E através de todas as presenças
Caminho para a única unidade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
|
quarta-feira, 28 de maio de 2014
A Janela do Sobrado
A Janela do Sobrado
(Autor: Amália Grimaldi - 2014)
É madrugada ainda. Vejo
o Sol conduzir ao seu lugar destinado a noite que se retira lenta. Segue
levando consigo meus suspiros e a lembrança de uma noite mal dormida. Ainda vejo
estrelas a refletir o brilho do mistério deste breve instante. Contemplo a
aurora. Me visto de sonhos.
Vê você por acaso,
aquelas árvores distantes? Não seriam aqueles ciprestes lendários? Ah, já sei – lá está a curva da estrada para
Damasco!
A
janela do sobrado abria as portas do mundo. Entrava e saía sem cerimônia. Até
que um dia, na viagem de retorno, me perdi. Os ciprestes desapareceram da
paisagem. Havia apenas o eucalipto dominante – supridor da fábrica de papel. E
assim, não mais encontraria meu rumo.
Não é que a minha
estrada para Damasco desaparecera! Por um instante parei de sonhar. Mas, o
desejo de viajar pelo Oriente seria mais forte. Outras janelas se abririam no
tempo. Pois, sobrevive-se no sonho. O ser aí se reinventa.
Vê você por acaso
vultos de almas da noite em tais muros cuspidos e urinados, caiados de
fingimento branco?
Vê, são cacos de vidro
ameaçadores, encimam previsões de acontecimentos nefastos na guarda do grande
vazio – negligência de um terreno baldio. Patrimônio cobiçado, que ora acolhe
os sujos da esquina.
A vagar pela noite escura vejo assombração de
outros. Seria a alma penada do agiota ameaçador em busca de dinheiros perdidos?
A janela do sobrado há
muito se fechara. Na sala, antes habitada por insinuantes réstias de luz, encontraria apenas sombras do
que fora antes. E as minhas tranças, via-as jogadas ao chão, ao lado da cega
tesoura – o tempo inexorável. E eu, desconsolada, à curva da estrada, perdia-me
no sonho, em busca do rascunho que se apagara– o leve poema da menina do
sobrado grande.
Mas,
qual tempo poderia ser melhor? Inverno ou Verão? Já vejo o pássaro azul, é fiel
à estação. Temente ao vento súbito constrói seu ninho em lugar seguro. Observo
que carrega o que parece ser o último naco do dia. Amanhã voltará. Ou quem
sabe, não mais. E é assim então que nutrimos a nossa vontade imediata. Amanhã outros pássaros virão.
(foto autor)
terça-feira, 18 de março de 2014
O Bonde e o Professor
O
bonde e o professor
Ainda
nos anos 50 e 60, em Salvador, cidade onde nasci, vivia eu então, no bairro do Garcia, bem em frente
ao Colégio Antônio Vieira, no antigo
sobrado de construção colonial, onde no térreo funcionava a padaria do padeiro
galego – meu pai. O bonde do Rio Vermelho, já de longe anunciava quando vinha
vindo. Os meninos mais afoitos costumavam deitar o ouvido no trilho metálico e
assim escutar a sua vibração. O bonde subia e descia, regularmente, a correr
nos seus paralelos trilhos, como a
obedecer à rotina do povo pacato daquele lugar. O bonde era pontual. Assim como,
também era aquela figura, notável pelos seus hábitos, do homem calado,
educadamente refinado, um intelectual, que se via todos os dias vestido discretamente
em terno claro e gravata. Costumava comprar pão lá na padaria, geralmente pelas
tardes. Sempre no meio do povo, ao subir e descer do bonde, pé no estribo, trazendo
um livro embaixo do braço. Pequenos detalhes o faziam distinguido, como sendo pessoa
especial, e assim o era. Conhecido professor
de Português de escolas e colégios de Salvador, era também um professor de
cátedra. Professor de Estilística da
Língua Portuguesa. Naquele tempo a figura do professor simbolizava respeito e
acato. Refiro-me ao emérito Professor Raul Sá.
Quem
foi estudante, nessa época em Salvador, por certo foi seu aluno ou então, já tinha
ouvido sobre o seu gabarito e da sua fama. Ainda no Colégio das irmãs Sacramentinas, e
mais tarde no colégio da Bahia, em Salvador, tive a honra de ser aluna do
Professor Raul Sá. Além de morarmos no mesmo bairro, também frequentávamos o
mesmo colégio, eu, e as duas filhas do professor.
Diante
de um olhar, tão marcante, sob as lentes de grau elevado que usava, suscitava um
profundo respeito. Parecia até que estava a ler os nossos pensamentos. Durante
a sua aula ninguém ousaria perturbar.
Conhecedor
profundo da obra de Aloísio de Azevedo, O Cortiço, acho que lhe dava prazer
transitar entre os prédios antigos das ruas de Salvador, fato que,
provavelmente, o identificaria com o cenário do romance do referido autor. Quem
sabe a vivenciar em cada pardieiro, aqueles personagens, tão bem descritos e
marcantes, como se fora uma pintura da época, a paisagem urbana e seus
personagens, tão bem elaborada, literariamente, uma pintura expressiva, feita em largas
pinceladas, em cores próprias, não fugindo ao detalhe, todavia, mostrando a situação
de vida daquela gente; romances e dramas, ainda num Brasil Colonial.
Outro
dia, somente pelo prazer de rever antigas paisagens, e também de poder recordar meus dias de menina e
adolescente, caminhava eu, em companhia de Frank, meu esposo. Iniciamos nossa
jornada a partir do Corredor da Vitória, e depois, passando pelos jardins do
Passeio Público, (hoje totalmente decadente, assim como o palácio ao lado),
alcançando a seguir o Forte de São Pedro e, todo o atabalhoado trecho da Avenida Sete de
Setembro, alcançando a seguir o Largo de São Bento, e de quebra, o prazer em visualizar a estridente beleza da
baía azul –, de todos os santos, e, minha também...
Da
Praça Castro Alves, subindo a Rua Chile, enfim, fui dar ao Centro Histórico de Salvador, por andei
entre as pessoas do lugar, a observar ensimesmados turistas e condescendentes baianas,
em suas tradicionais vestes, sempre atraentes e sorridentes. Embrenhei-me no meio
do agitado povo por aquelas ruas e becos apertados, e olhe que não me apoquentava,
aquele forte odor, típico cheiro amoniacal, (sublimação da causa justa...), enfim,
sentindo a alma do povo baiano, e a minha também. Vez por outra, os fantasmas
do passado faziam-se presentes. E ali, à esquina da antiga Faculdade de
Medicina da Bahia, visualizei a figura circunspeta, sempre de óculos, do Professor Raul Sá. Seguia ele vestido em seu habitual
terno de linho, livro embaixo do braço, como sempre de cabeça baixa. Via-o todo respeitoso, a descer a ladeira do
Pelourinho...
Realmente,
fiz uma agradável viagem no tempo. Ao cenário do Cortiço, ao lado dos personagens
de Aloísio de Azevedo, mas, principalmente, recordando aquele digno mestre da
língua portuguesa, o nobre Professor
Raul Sá, aqui perpetuado em o “Bonde e o Professor”, texto da minha autoria.
Amália
Grimaldi
Março,
2014-03-18
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