sexta-feira, 19 de maio de 2017
Saber alentejano
(Amalia Grimaldi)
Alentejo – Sonhei um dia aqui
estar
De cara para o sol da tarde melhor
Jogar conversa fora
Sair de mãos dadas, a passear por
aí
Vamos, adiante-se!
Já estamos ao batente de amigos
De muitas eras
Sopa quente – Pão redondo à mesa
Vamos, adiante-se!
O ar português lhe fará muito bem
Amanhã –Segunda-feira – (Da melhor semana)
Guardarei na bagagem comigo
Este morno saber alentejano
Vamos, adiante os passos
Sigamos a pista das aves,
Penas ao chão e arrulhos no ar!
(Portugal,2011)
Estampa do último verão
(Amalia Grimaldi)
Céu ao poente
Seu aceno contente
Derramada cor invade meu ar
Mordente não desbota
Persistente algaravia
Urde tintada trama
Belo pano marroquino
Abraço a outra nação
Aceno ao mar – Gibraltar
O contorno moreno da alta cidade
Estampa do último verão
Enredo dessa minha canção
– Al Garb– Al
Andaluz
Viagem da
minha vida.
quinta-feira, 6 de abril de 2017
A
Janela do Sobrado
(“Crônicas do meu tempo” - Amália
Grimaldi - 2014)
É madrugada ainda. Vejo o Sol conduzir
ao seu lugar destinado uma noite que se retira lenta. Segue levando consigo
meus suspiros, e a lembrança de uma noite mal dormida. Ainda vejo estrelas, a
refletir o brilho do mistério deste breve instante. Contemplo a aurora. Me
visto de sonhos.
Lá longe, aquelas longas árvores? Não seriam
aqueles históricos cipestres saídos das páginas do meu lendário catecismo? Ah,
já sei – lá estaria a curva da estrada para Damasco!
A janela do velho sobrado abria-me
as portas para um mundo distante. Entrava e saía sem cerimônia. Até que um dia,
na viagem de retorno me perderia. Os ciprestes desapareceram da minha paisagem. Em
seu lugar via surgir um denso cortinado verde. Seria uma plantação de eucalipto,
supridor da nova fábrica de papel lá no bairro do Rio Vermelho. – Como crescia ligeiro!
Não
é que a minha estrada para Damasco desaparecera por completo! Por um instante
parei de sonhar. Mas, o desejo de viajar por terras sagradas do Oriente seria bem
mais forte. Na verdade fui crescendo, e outras janelas, com o tempo se abririam.
Sobrevive-se em sonhos, é verdade. Intimista, reinventava aquelas histórias de
paisagens bíblicas, que tão bem ilustraram parte da minha infância, vivida num internato de um conhecido convento católico na cidade do Salvador.
Ah, a janela do sobrado... Caiados em
fingimento branco, vultos de almas da noite dançavam
naqueles muros altos. A acolher as sujidades das ruas ao vento, no bairro do
Garcia onde morava, havia um enorme quarteirão, era um patrimônio cobiçado de vasto
terreno baldio. Na guarda desse grande vazio, ameaçadores, estilhaços de vidro
encimavam previsões nefastas. A
vagar pela noite escura, veria ainda, assombrações de outros. Seria a alma
penada do ameaçador agiota em busca de seus dinheiros perdidos?
A janela do sobrado há muito se
fechara. Na sala da frente, antes habitada por réstias luminosas geradas por
frestas de paredes rasgadas, encontraria apenas sombras, as do que fora antes.
E as minhas tranças, censuradas, lá as via ao chão de antigamente, ao lado da temível
tesoura. Ah, – o tempo, inexorável! E eu, à curva de uma estrada longínqua, ainda
a perder-me em devaneios primaveris. Ora segura, encontrar-me-ia à esquina
dessa minha rua, entre a padaria do galego meu pai, e o armazém do português
meu vizinho, ainda em busca de estimado rascunho, do que antes se apagara – o leve
poema da menina do sobrado grande.
Mas, qual tempo poderia ser melhor?
Inverno ou Verão? Já vejo o pássaro azul, fiel à estação, e temente ao vento
súbito, provavelmente construirá seu ninho em lugar seguro. Observo que carrega
o que parece ser o último naco do dia. Amanhã voltará. Ou quem sabe, não mais.
Amanhã, provavelmente, outros pássaros virão.
segunda-feira, 3 de abril de 2017
Dispersante
Convulsao da imagem
Dispersante
intenção
Ainda ontem estive
aqui
Ele também estava
aqui
Ainda aqui o vejo
nesse espaco vazio
A vestir capote
marrom
Eis aqui o homem
loiro - Seus olhos são azuis
Dessa longa nostalgia
branca de vitrines frias
Peregrino andarilho
Um pingo de ave resvala
à sua lapela
E na convulsão da imagem
Ve-se a trágica nudez da
ilusão
A esculpir a humana tragédia
E um pedido de socorro
Ondula a face desse frio espelho
Fragmenta a realidade desse reflexo
Atravesso calçada mais
próxima
E contorno a esquina
Daquele seu longo olhar
distante
– Doloroso diálogo.
(Amalia Grimaldi)
Ah, essa minha divergente maneira de ser feliz...
Ah, essa minha divergente maneira de ser feliz...
Ele
vai mais cedo com o sol ainda alto queimando a ponta do nariz. Eu vou depois, me
lambuzado em contentamento naquela emulsão escorrida,- Sol despencando em cores
fortes -, buscando a franja do
horizonte. O repouso do astro. Regresso no lusco-fusco da noite
primária. Cansada e feliz.
Opiniões
divergentes. Ângulos desiguais. Desentendimentos. Frank, marchando como
soldado, habitualmente prefere andar por lugares conhecidos. Medo de se
perder? Fujo ao tédio, ao comum. Então, amigavelmente, selamos saudável acordo,
e sem mais discussões, decidimos andar -, separadamente.
Viajar
ou caminhar sozinho é diferente de se viver sozinho. Quando se vive uno
torna-se mais fácil se resguardar, fugir do contato social, aquele que não nos
interessa. Como qualquer ermitão a gente se protege no interior da nossa
caverna, rola e atravessa pesada pedra a entrada. Lembram-se dos Flintstones?
“
Ta na hora do jantar... Cade minha camisa azul? Ja sao onze horas...” Pois é. Tomo
como verdadeiro o conceito de que andar sozinho, na voz de um bom andarilho, e
o mesmo que sentir-se pleno, confortavelmente alojado no interior desse lugar
inviolavel, somente habitado por nos mesmos – a nossa alma. Tenho muita experiência de estrada. E, na
minha maneira de poetar, como todo poeta, (nao e pleonasmo...) este lugar, invisivel
torna-se vital ao nosso desenvolvimento
catartico, e ai entao que me refugio, escapando de possivel external
desconforto. Rolo aquela enorme pedra vedando a entrada dessa minha
caverna.
Parece-me
que quando a gente viaja sozinho, aquele nosso estado solitário interior, é
como um imã, atrai outros viajantes,em lugares diversos, na mesma situação. Na
verdade trata-se de compartilhar experiências e sentimentos com pessoas que
pensam como a gente. Sensacional. É isso mesmo. Não estamos sós.
Enfim,
são tantos os lugares a serem explorados. Nas minhas revigorantes caminhadas ao
entardecer, guiada por uma especie de `sexto sentido`, costumo optar por um
caminho diferente Assim vou adicionando flores e cores, odores, e sorrisos, vou
compondo a minha paisagem emocional nesse belo e generoso país que me acolheu
como cidadã. Geralmente procuro lugares agradáveis, onde me sinto abraçada.
Gigantescos, robustos eucaliptos estendem seus gigantescos e tortuosos braços
em múltiplos ramos esgalhados, sinto que me envolvem a passagem, tomam meus
sensos. O perfume do eucalipto se funde com o leve odor mentolado de imponentes
ciprestes, bem tratados e aparados, ornamento de cercas de abastadas casas, sao
jardins bem tratados, impecáveis. Tudo isto faz parte da paisagem do meu
caminho de pensares. Faz bem à alma da
gente.
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